A travessia (continuação)

A travessia (continuação)

POR GEORGE VIDOR
Grupos de jovens subiram à noite e chegaram de madrugada no Açu fazendo muito barulho. O amanhecer compensou a noite mal dormida. Pela primeira vez vi o planeta Saturno, que fica bem evidente nesta época do ano, nas primeiras horas da manhã (quase uma pequena lua). Com os primeiros raios de sol, vimos também a Pedra do Sino, no outro extremo da travessia. E ao longe os Três Picos, de Nova Friburgo. O famoso Dedo de Deus é visto de cima e de lá parece apenas uma pequena montanha. O café da manhã foi muito simples (chá, pão integral, biscoitos e mel), como convinha para quem iria caminhar logo a seguir. Duas horas de arrumação e levantamos acampamento. A travessia propriamente dita é uma sucessão de subidas e descidas. Em um trecho de dez quilômetros, há o que o nosso guia chamava de pelo menos quatro subidas punk. E de fato ele tinha razão. No topo, a vista é sempre muito extasiante, e servia de recompensa para o sacrifício físico - ao menos para mim, cujo preparo nunca foi dos melhores. As descidas devem ser feitas com cuidado, pois grande parte dela é na pedra. A sola da bota tem de ser bem aderente, para evitar escorregões e quedas A prmeira subida é a do Morro do Marco (tem de fato um marco lá); a segunda é a do Morro da Luva; a terceira é a do Elevador. Essa é mesmo muito punk. Com dinheiro que receberam do Ibama, de parte da multa da Petrobras pelo trágico vazamento de óleo na Baía de Guanabara, os administradores do Parque mandaram instalar uma escada de vergalhões fincados na pedra. Os corajosos tiram de letra, mas covardes como eu sentem a perna tremer a cada degrau. E o pior é que chegando no alto devia haver mais um degrau para evitar um esforço desnecessário no momento final, em que o cansaço já começa a dominar o seu corpo. Depois desse pequeno estresse, resolvemos mesmo acampar no Campo das Antas (algum dia deve ter tido muitas por lá; mas agora não há vestígio do maior mamífero brasileiro, a não ser o nome desse vale e o capim de lá, muito alto, também chamado de capim das antas). Sábia decisão do nosso guia. O sol estava se pondo e quando chegamos o termômetro levado por Edvandro registrava uma queda vertiginosa na temperatura. Curioso é que, quando o ambiente estava a um grau positivo, a temperatura da água do pequeno riacho ainda continuava a oito graus. A última temperatura que registramos foi de 2,5 graus negativos. Dormi com todos os casacos que tinha levado, mas ainda assim senti frio. Nossos dois vizinhos de acampamento, Sérgio e Max, estavam encapotados como habitantes dos Andes, mas também confessaram que sentiram frio. Amanhecemos com a temperatura de menos um. Marcos dizia que era melhor assim, pois a umidade se reduz. O sobreteto das barracas estava com gelo, A relva, idem. Tiramos fotos com o gelo nas mãos, para ficar como lembrança daquela noite de bater queixo (brrr...). Levantado o acampamento, seguimos em direção ao Sino, passando pela Pedra da Baleia. A vista de lá é deslumbrante pois pega toda a Baía de Guanabara e a Pedra do Sino fica muito próxima, desafiadora. Esta etapa é de fato um desafio, pois tem trechos de escalaminhada. Sem apoio moraL e físico do Marcos, do Edvandro e do Roni, não teria passado (naquele momento o estresse emocional e o cansaço físico da travessia pesaram, e, eu me perguntava: o que é que estou fazendo aqui? ). Confesso que não enfrentarei tal desafio de novo. Vencida essa etapa, chegamos ao cume por volta de meio dia. Começava então uma descida de 11,5 quilômetros em direção à sede do Parque Nacional, em Teresópolis, passando primeiro pelo abrigo 4 (lá tem banheiro!), para pegar água, comer sanduíches de atum, etc. É uma caminhada com pouco declive, mas muito longa. E o trecho final é pedregoso, que deve ser feito com muito cuidado para não se torcer o pé. E eu, que já ando devagar, fiquei mais moroso ainda. Resultado: andamos à noite no pior trecho e só chegamos ao nosso destino por volta das sete da noite, junto com um monte de outros grupos. As pessoas comemoravam a aventura. Infelizmente estava cansado demais, e deixei para comemorar aqui com voces, neste blog. Na primeira foto, o grupo chega ao cume da Pedro do Sino (ponto culminante da Serra do Mar, com 2263 metros); o marco está ali para atestar a altitude. Na segunda foto, a comemoração pela chegada ao cume (é sempre um momento de emoção): Marcos levanta o cajado, que segundo ele, foi deixado pelos gnomos do Vale do Bonfim. Na descida para a sede do parque em Teresópolis, o cajado foi abandonado, e ficou como presente dos gnomos do Bomfim para os gnomos da Pedra do Sino (o meu cajado, feito de bambu, que não aparece na foto, eu levei do Rio e voltou para casa comigo). A terceira foto foi tirada no Chapadão do Açu no pôr do sol, em ângulo inverso ao da que está na nota Travessia. Não dá para ver, mas à esquerda está a Baía de Guanabara. As montanhas ao fundo são da região de Petrópolis. Um bom observador talvez identifique a Pedra da Maria Comprida, o maior monolito do Brasil. A pedra que se vê à frente um pouco à frente do brilho do sol é a Alcobaça.

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