Memórias do dia 13 de março de 1964
Memórias do dia 13 de março de 1964
Coluna veiculada em 11/3/2014 na revista digital vespertina O Globo a Mais, dirigida a assinantes que a leem em tablets:
Tinha acabado de passar para o ginásio, no Colégio Pedro II (seção
sul), e estava ansioso por essa nova fase da vida. No primeiro dia de
aula (março de 1964) havia uma greve de transportes no Rio e não
consegui chegar ao colégio, no Humaitá. Os únicos ônibus que
circulavam, lotados, eram os elétricos (também chamados de troleibus,
ou "chifrudos") da extinta CTC, companhia estadual. O governador do
Estado da Guanabara era Carlos Lacerda, opositor ferrenho do governo
do presidente Jango Goulart.
O pais estava agitado. O desbastecimento se tornara rotina. Para
comprar leite, às vezes era preciso ir ao depósito da CCPL (grande
cooperativa de leite do Rio, também extinta), que ficava à rua Marques
de Abrantes. Quando o caminhão chegava com açúcar, filas se formavam à
frente dos armazéns (supermercados ainda eram raros).
Mesmo guri, já gostava de ler jornal e acompanhar os acontecimentos.
Morava em uma casa onde os adultos discutiam muito política.
Jogava tênis de mesa pelo Clube Universitário, que tinha um grande
salão no térreo do prédio da União Nacional dos Estudantes, na Praia
do Flamengo. As pessoas engajadas na política estudantil achavam um
desperdício a ocupação daquele espaço por uma turma que só se
interessava em ficar batendo numa bolinha, de um lado para outro. Mas
nessa passagem pelas corredores da UNE fui tomando conhecimento do que
se passava na política nacional. Lacerda, por exemplo, era odiado lá
(havia um grande cartaz, com a cada do governador no corpo de um
grande corvo; militares golpistas eram chamados de gorilas). A
presidência da UNE ficava no segundo andar e o presidente andava de
terno (só quando me tornei jornalista anos depois fiquei sabendo que
ele se chamava José Serra).
Então chegou a data de 13 de março, dia do grande comício na Central
do Brasil. Meio querendo participar dos acontecimentos, ajudei
funciona´rios da UNE a pintar "palavras de ordem" em faixas que foram
levadas depois ao comício. Estava doido para ir ao comício, mas minha
mãe, sabiamente, não deixou (algumas faixa foram queimadas no comício
e chegou a haver um princípio de tumulto, e naquele momento minha mãe
até usou isso para reforçar a justificativa da sua proibição). Vi o
comício pela televisão e quando Jango anunciou os decretos de
encampação das refinarias e desapropriação de terras para a reforma
agrária fiquei envaidecido porque ajudara a pintar as faixas que
pediam ao presidente exatamente isso.
Tudo iria por água abaixo dias depois. O prédio da UNE pegaria fogo no
fim da tarde de 1 de abril, destruindo inclusive as mesas do nosso ping-pong (o esporte é tênis de
mesa; ping-pong é mera brincadeira).
E assim perdi a oportunidade de ser um desportista e fui me meter em
política estudantil lá no Pedro II.
sul), e estava ansioso por essa nova fase da vida. No primeiro dia de
aula (março de 1964) havia uma greve de transportes no Rio e não
consegui chegar ao colégio, no Humaitá. Os únicos ônibus que
circulavam, lotados, eram os elétricos (também chamados de troleibus,
ou "chifrudos") da extinta CTC, companhia estadual. O governador do
Estado da Guanabara era Carlos Lacerda, opositor ferrenho do governo
do presidente Jango Goulart.
O pais estava agitado. O desbastecimento se tornara rotina. Para
comprar leite, às vezes era preciso ir ao depósito da CCPL (grande
cooperativa de leite do Rio, também extinta), que ficava à rua Marques
de Abrantes. Quando o caminhão chegava com açúcar, filas se formavam à
frente dos armazéns (supermercados ainda eram raros).
Mesmo guri, já gostava de ler jornal e acompanhar os acontecimentos.
Morava em uma casa onde os adultos discutiam muito política.
Jogava tênis de mesa pelo Clube Universitário, que tinha um grande
salão no térreo do prédio da União Nacional dos Estudantes, na Praia
do Flamengo. As pessoas engajadas na política estudantil achavam um
desperdício a ocupação daquele espaço por uma turma que só se
interessava em ficar batendo numa bolinha, de um lado para outro. Mas
nessa passagem pelas corredores da UNE fui tomando conhecimento do que
se passava na política nacional. Lacerda, por exemplo, era odiado lá
(havia um grande cartaz, com a cada do governador no corpo de um
grande corvo; militares golpistas eram chamados de gorilas). A
presidência da UNE ficava no segundo andar e o presidente andava de
terno (só quando me tornei jornalista anos depois fiquei sabendo que
ele se chamava José Serra).
Então chegou a data de 13 de março, dia do grande comício na Central
do Brasil. Meio querendo participar dos acontecimentos, ajudei
funciona´rios da UNE a pintar "palavras de ordem" em faixas que foram
levadas depois ao comício. Estava doido para ir ao comício, mas minha
mãe, sabiamente, não deixou (algumas faixa foram queimadas no comício
e chegou a haver um princípio de tumulto, e naquele momento minha mãe
até usou isso para reforçar a justificativa da sua proibição). Vi o
comício pela televisão e quando Jango anunciou os decretos de
encampação das refinarias e desapropriação de terras para a reforma
agrária fiquei envaidecido porque ajudara a pintar as faixas que
pediam ao presidente exatamente isso.
Tudo iria por água abaixo dias depois. O prédio da UNE pegaria fogo no
fim da tarde de 1 de abril, destruindo inclusive as mesas do nosso ping-pong (o esporte é tênis de
mesa; ping-pong é mera brincadeira).
E assim perdi a oportunidade de ser um desportista e fui me meter em
política estudantil lá no Pedro II.
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