Um carioca no interior

Jornal do BrasilGEORGE VIDOR*

Stefan Zweig, que morreu aos 62 anos, em Petrópolis, escrevia maravilhosamente. Difícil dizer qual é sua obra-prima. Seriam várias, se pudesse existir mais de uma obra-prima, uma incongruência aritmética. Mas entre essas “obras-primas” certamente está o seu livro de memórias “O mundo que eu vi”, no qual narra impressões sobre as mudanças ocorridas do fim do século 19, à Primeira Guerra e ao período entre guerras. Zweig se considerava um velho. Matou-se, em pacto de morte com a própria mulher, porque não se considerava mais com a idade ou em condições para esperar o fim do pesadelo que a Europa vivia. O nazismo estava em ascensão e a barbárie ainda não era amplamente conhecida. O escritor sabia que eles seriam vencidos, porém resolveu jogar a toalha antes do tempo. Pena porque a criação de “obras-primas” foi interrompida.
Como já estou com mais idade que Zweig, vai chegando a necessidade de escrever coisas sobre “o mundo que eu vi”. Sensação que bateu mais forte agora, perambulando pelo interior de São Paulo, participando de ótimos eventos com o propósito de falar sobre economia e desenvolvimento regional. Lembrei que, quando criança, passei uns dias em Bragança Paulista. Hoje a cidade está a um pulo de São Paulo. Na época, para ir do Rio até lá, só passando por São Paulo capital. A estrada de acesso já era a Fernão Dias, não duplicada, cruzando por Mariporã e Atibaia.
Por conta de um velório – que programa esse para um grupo de crianças – fomos até Cafelândia, por uma estrada que era barro burro. Naquele começo dos anos 1960, São Paulo já contava com cidades do interior bem agradáveis, mas ainda não tinha estradas tão maravilhosas, exceto a Via Anchieta, em direção a Santos. Era doido para ver as plantações de café que fizeram a riqueza do estado, porém naqueles anos elas já haviam ficado no passado. Cafelândia só tinha de café o nome.
Em Limeira, outro dia, um colega de seminário citou um belo exemplo de como o empreendedorismo contribuiu para impulsionar a região. A Via Anhanguera – hoje com quatro pistas em cada direção, e pavimentada como um tapete – foi aberta no chão batido. Mão e contramão. Muitas pessoas de Campinas e cidades vizinhas começaram a usar a estrada para assistir a jogos aos domingos no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Voltavam famintos no fim da tarde e aí um pequeno avicultor teve a brilhante ideia de vender frango assado na beira da estrada. Na cidade conhecera o papel laminado e as caixas de isopor. Pôs uma placa “Frango assado” e fez o maior sucesso. O “Frango assado” se tornou uma rede poderosa e despertou o interesse de uma multinacional. Segue de vento em popa.
Limeira produz mudas de cítricos, abriga duas escolas técnicas de referência, boas faculdades. Está a uma hora do aeroporto internacional de Campinas. Para ir a São Paulo, o freguês pode escolher se vai pela Bandeirantes, pela Via Anhanguera ou até por estradas internas. O centro agrícola de outrora tem uma empresa de tecnologia que faz diagnóstico, à distância, por sensores, do estado das máquinas em indústrias automatizadas que funcionam 24 horas, prevendo interrupções, necessidade de manutenção ou substituição. De Limeira, eles sabem como estão as máquinas das fábricas da Coca-Cola no México ou nas Filipinas.
Todavia, o que movimenta mesmo Limeira é um polo de joias e bijuterias folheadas. A maior produção desse tipo de joias se concentra lá. Um monte de gente trabalha em casa para as joalherias. Motoboys vão e vêm transportando as mercadorias entre as casas e as firmas. Ah, vão dizer, é subocupação! Então vejamos: as pessoas fazem seu próprio horário; quase sempre trabalham em conjunto, podendo falar mal da vida dos outros e sem um chefe para ficar enchendo o saco. Mesmo ali, trabalhando, as mães têm tempo para observar se os filhos estão fazendo dever de casa, se estão comendo direito e controlam para onde eles vão.
Coincidência ou não, em Limeira o desempenho escolar está acima da média e o índice de criminalidade entre adolescentes é bem mais baixo do que cidades de igual porte e mesmo grau de desenvolvimento. Um caso a pensar.
* O jornalista é cariocaço. Ama o Rio e não sai daqui por nada. Mas tira o chapéu para o Estado de São Paulo.