SER OU NÃO SER UM PAÍS INDUSTRIALIZADO?

 Por George Vidor (Economista e jornalista, foi colunista do jornal O Globo e comentarista da Globonews)

Sou da geração que associava economias desenvolvidas a países altamente industrializados. Economias baseadas em setores primários (agricultura, mineração) só alcançariam a categoria de desenvolvidas quando passassem a contar também com uma indústria poderosa.

Essa discussão foi especialmente marcante a partir dos anos 1950 na América Latina, com as teses cepalinas – que chamavam atenção para a deterioração das relações de troca entre as nações exportadoras de produtos primários e as exportadoras de manufaturas. Pesquisadores ainda hoje destacam o embate, nos anos 1950, entre o industrial paulista Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, fundador da primeira escola de economia do país. Gudin, um liberal convicto, defensor das teorias das vantagens absolutas e comparativas de Adam Smith e David Ricardo, não era favorável à industrialização a qualquer custo, enquanto Simonsen justificava o protecionismo como necessário para o deslanchar de setores industriais nascentes na Grande São Paulo.

Com certa razão, Gudin se preocupava com artificialismos e com o que viria a se tornar um mal endêmico nas décadas seguintes, a inflação estrutural, decorrente do protecionismo excessivo. Gudin deu por encerrada a polêmica e, na prática, foi vencido por políticas públicas pró-industrialização que perduraram dos anos 1950 até quase o fim do século XX (com reservas de mercado etc. e tal). A criação da Sudene, no governo JK, brilhantemente defendida pelo economista paraibano Celso Furtado, seria a redenção do Nordeste. Os resultados foram, de certo modo, frustrantes, e a região permanece com indicadores econômicos e sociais muito aquém dos desejados.

Seja como for, o dito modelo de substituição de importações de fato significou o motor de expansão da economia do país por muito tempo.

O fetiche da manufatura, como gosta de dizer outro respeitado economista, Edmar Bacha, perdeu espaço para os serviços nas últimas duas décadas. Porém, essa é uma questão que ainda nos aflige, pela desindustrialização em áreas nas quais o Brasil chegou a se destacar. Um fenômeno atribuído à dificuldade de competir com a China e países conhecidos como tigres asiáticos.

Na verdade, talvez seja uma questão bem mais complexa, com raízes históricas mais profundas. É até mesmo discutível se o Brasil foi sempre uma economia “primária”, sem base industrial. Poderiam até ser rudimentares, mas engenhos de açúcar não eram indústrias? Estaleiros que reparavam embarcações ao longo da costa brasileira não eram indústrias? Fazendas de café do Vale do Paraíba, como a Paraíso, em Rio das Flores (Rio de Janeiro), que produziam suas próprias ferramentas em pleno século XIX, não eram pequenas manufaturas? Isso sem falar no Barão de Mauá ou de outros empreendedores daquela época.

Um exemplo mais contundente é o da indústria têxtil, e quero me referir mais especificamente ao que aconteceu à cidade de Petrópolis, vítima recente de uma grande tragédia, provocada por chuvas que não eram vistas em tal volume desde 1932. Petrópolis, cidade imperial, planejada e inicialmente ocupada por imigrantes alemães, italianos, espanhóis, franceses e portugueses, foi um centro têxtil invejável. Quem chega ao centro histórico pela entrada do Quitandinha, se depara com uma construção fabril que lembra uma antiga fábrica inglesa. É a São Pedro de Alcântara, hoje um estacionamento. Por todos os bairros de Petrópolis é possível encontrar indústrias têxteis desativadas ou parcialmente reocupadas por outras atividades, às vezes confecções.

No meio da Serra (serra velha, antiga subida para Petrópolis) havia uma indústria têxtil chamada Cometa. Fechou em 1957! Dela só restam ruínas, uma vila operária descaracterizada e alguns dormentes da desativada linha de trem. Uma outra indústria emblemática tinha o nome derivado da cidade (Petropolitana). Fundada nos anos 1870 por um cubano, chegou a ter mais de mil operários. O bairro Cascatinha surgiu a partir dessa indústria e sua vila operária. A fábrica Dona Isabel, também centenária, é atualmente quase um sarcófago.

Dessas indústrias centenárias poucas sobreviveram, como é o caso da Werner e da fábrica de feltros da rua Barão do Rio Branco. Tecelões desempregados deram origem a muitas das confecções que vieram a se instalar na conhecida Rua Teresa, que abriga centenas de lojas de vestuário, e foi uma das mais atingidas pelas chuvas devastadoras de fevereiro e março de 2022. Em todos os bairros de Petrópolis, existe alguma marca dessa outrora poderosa indústria têxtil.

Mas a pergunta é: como teria surgido uma indústria tão grande, ao meio de uma serra, distante das áreas produtoras de algodão, e, na época, não tão perto do principal centro urbano do país? Uma indústria capaz de competir com a europeia, sem contar com proteção tarifária ou crédito subsidiado na segunda metade do século XIX. E por que essa capacidade industrial se perdeu ou não derivou para outras atividades de porte semelhante?

A falta de inovação e de atualização tecnológica pode responder em parte a essa pergunta. O layout das antigas indústrias nem sempre pode ser ajustado para atividades mais modernas (a Fleischmann Royal fechou sua mais antiga fábrica no Brasil, em Petrópolis, por causa disso). Mas há diversas outras questões. No fundo, voltamos à discussão teórica dos tempos de Adam Smith e David Ricardo sobre as vantagens absolutas e comparativas. Não é fácil concorrer com a China hoje, mas é possível afirmar que o Brasil tem uma vocação industrial histórica, diversificada, do setor têxtil à metalurgia. São muitas ilhas isoladas que precisam formar um arquipélago, interagindo com centros de pesquisa e desenvolvimento.

Um país com mais de 200 milhões de habitantes, que faz parte do G20, com essa extensão territorial e diversidade, precisa continuar olhando a indústria como uma oportunidade. É claro que precisamos de uma indústria competitiva, que se sustente pelas próprias pernas. E o grande teste para isso é a exportação. O agronegócio só chegou onde chegou quando passou pelo teste da exportação. A indústria deve ter a exportação como um desafio permanente. Só assim sobreviverá e crescerá.

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