Pingo nos is




Nossos vizinhos
(George Vidor)                             
Quando pensamos nesse universo imenso, do qual somos uma partícula microscópica, todas as polêmicas que nos têm envolvido parecem ridículas. E realmente o são. Para que se preocupar com o besteirol que se espalha pelas redes sociais ou mesmo pela grande mídia? É uma discussão que agora não levará a nada. A alma humana é indecifrável. Ou possivelmente serão necessários mais dois mil anos para decifrá-la, se é que a humanidade sobreviverá até lá. E se é que existe alma mesmo, ou tudo não passa de imaginação da enigmática consciência, que só pode ser criação divina (com qual propósito?).
Se os grandes pensadores não nos deram respostas satisfatórias, deixando ainda mais dúvidas sobre o tabuleiro, e nem os textos sagrados são unânimes quanto a isso, não seremos nós simples mortais que vamos encontrar as saídas. Melhor então a fazer é refletir sobre nossos problemas comezinhos, como, por exemplo, a anemia da economia brasileira.
Os resultados do PIB de 2018, divulgados recentemente pelo IBGE, foram frustrantes, mas não surpreendentes. Frustrantes porque confirmam a falta de fôlego da economia. As alavancas, os vetores de crescimento, patinam e não ganham impulso para decolagem. Não surpreendentes porque não poderia ser diferente enquanto não ultrapassarmos o trecho do atoleiro em que a economia se viu mergulhada.
A estimativa preliminar do Produto Interno Bruto mostrou que não houve crescimento do consumo do governo. Pelo lado da demanda, o PIB é consumo das famílias, mais investimento, mais consumo do governo, mais o resultado liquido de exportações menos importações. PIB = C + I + G + (X-M). É assim que aprendemos nos cursos de economia, nas aulas de Contabilidade Nacional.
Se a contribuição de G para o PIB é nula, as demais têm de demonstrar mais vigor. Como o consumo das famílias pode reagir se o emprego caminha devagar e não são pagos mais salários, mais aluguéis e os rendimentos financeiros passaram a minguar? Alguma reação houve, se não o PIB teria sido negativo. A notícia boa veio do investimento. No entanto, como o investimento representa menos de 20% do PIB, ainda que os números de I tenham alentadores, o impacto no resultado final é reduzido. Daí um crescimento de apenas 1,2% do conjunto da economia em 2018. Não tão terrível porque a população se expande a um ritmo anual de 0,6%. Então a renda média dos brasileiros aumentou um pouquinho no ano passado. Alívio, porque antes vinha encolhendo.
A reação da economia terá de vir mesmo pelo investimento, no primeiro momento. O que puder ser feito então para destravá-lo merece aplausos.
O efeito multiplicador
Os economistas estão sempre atentos aos indicadores de investimento por causa do seu considerável efeito multiplicador (já que estou abusando do economês, é o chamado fator k). Por isso se debruçam em estudos e análises sobre o que motiva e viabiliza os investimentos. O setor público está sem capacidade de investimento no Brasil. Não tem dinheiro nem para comprar esparadrapo ou tapar buracos nas ruas. E para custear os gastos públicos suga como um glutão parcela significativa da renda gerada no conjunto da economia. Temos uma carga tributária que pesa como uma pata de elefante. Então, por longo tempo, nada se deve esperar de G.
Se o consumo está anêmico, o que pode motivar investimentos na economia brasileira? A resposta está em nossas deficiências. Empresas precisam se atualizar tecnologicamente. Faltam moradias e saneamento básico. Mesmo as moradias existentes precisam de benfeitorias. As pessoas precisam se preparar (educação) para o futuro da informação com velocidade instantânea, da aceleração automática, da robotização. Vivendo mais, precisam cuidar do corpo e da mente (alimentação, higiene, saúde, entretenimento). E os gargalos da infraestrutura que segura tudo isso têm de ser removidos. No segmento de transporte são inúmeros os gargalos. No de energia, idem. E nem é preciso falar das telecomunicações. Ou seja, oportunidades de investimento, há inúmeras.
Centenas de serviços sob responsabilidade do setor público podem ser concedidos, mesmo que temporariamente, a investidores sob a condição e ampliar e melhorar a infraestrutura. Em troca, aos investidores é oferecido o acesso a mercados, muitos dos quais cativos. O retorno pode não ser tão imediato, mas é certo ao longo do tempo, se for seguro. Então as cláusulas contratuais devem ser definidas com bom senso – de modo que todos possam se beneficiar delas – e respeitadas. Para isso, agências reguladoras, que fazem o meio de campo entre os prestadores de serviços e os usuários, devem ser fortalecidas, removendo do horizonte temores habituais das partes envolvidas.
Há nós que precisam ser desatados nas concessões de rodovias (tanto nos contratos em fim de festa que deveriam ser antecipados, como nos novos) e existe grande esperança em relação ao que vem por aí nas ferrovias. Demanda para aço, caminhões, vagões, locomotivas, ferramentas. Transporte mais rápido e mais em conta para grãos, minérios, contêineres e demais cargas pesadas.  E quanto mais rápido forem desatados esses nós, mais próximos estaremos de um crescimento anual a um ritmo de 3% a 3,5%. O ritmo suficiente para alcançarmos a renda média do Chile em 20 anos.
Olhando para os lados
Comecei esta coluna quinzenal dominical propositadamente com o título “Nossos vizinhos”. Geralmente é bom olhar para os lados como nos vemos em situações críticas e de desesperança. Nem Polyana iria conseguir se sentir animada com tudo que o Brasil passou nos últimos anos. Há uma sensação coletiva que andamos para trás. O mundo andou e ficamos mesmo patinando.
Mas, se olharmos para os lados, como se sentem hoje os venezuelanos? Estão presos ao socialismo burro, que se mantém agarrado ao osso até o último momento. Como vão sair dessa?
E a Argentina? Que desperdício. No que tange à natureza, Deus seria brasileiro. Por esse quesito, seria também argentino. O país vizinho tem as terras mais férteis do continente. Rios, lagos, grandes áreas planas e montanhosas. Climas variados. População relativamente pequena e alfabetizada. No entanto, nossos vizinhos parecem condenados a viver sob um populismo atávico. Ah, então eles próprios criam os problemas e não sabem depois resolve-los. De certa forma, sim. Foram ricos e não conseguiram preservar a riqueza que acumularam. 
Para ajudar a Argentina a sair da areia movediça o Brasil efetivamente tem sido um “Hermano”. O Mercosul foi importante para a gente, e muito mais ainda para os argentinos. Agora só brigamos no futebol, por pura diversão. Nada sério. Nenhum país invadirá o outro por causa de alguma partida na Taça Libertadores ou na Copa América.
Podemos olhar também para o Chile, que vagou do socialismo bobo para a barbárie de uma ditadura estúpida. E hoje, em todo esse continente latino americano, é o país com indicadores mais próximos do Primeiro Mundo. O que eles produzem além de cobre, celulose, papel, salmão, frutas e vinho? Não muita coisa mais.
Em suma, o subdesenvolvimento não é um destino, uma maldição a que estaremos sujeitos até o fim dos tempos. Como certamente não estarei aqui para ser cobrado, posso escrever que em duas ou três gerações o sonho de um Brasil mais amigável com os próprios brasileiros poderá ser realizado.

Outros comentários de George Vidor estão disponíveis no www.georgevidor.blogspot.com e nos vídeos no canal do YouTube também reproduzidos no site do JB.

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