Chocante

Chocante

POR GEORGE VIDOR
Milhões e milhões de reais circularam misteriosamente dentro de malas e mochilas do caixa 2. A desonestidade virou praga nacional, explicando o desrespeito pelo dinheiro público
O arcabouço institucional está sendo montado. Já há um limite para a expansão dos gastos no governo federal, de modo que estados e municípios terão de se ajustar também porque não existe mais para onde correr. Falta ainda a reforma da previdência, pois, sem a qual, não haverá milagre capaz de fechar as contas públicas. No entanto, o Brasil precisa mesmo é passar por uma transformação que leve todos os cidadãos a valorizarem cada centavo de real gasto com dinheiro dos contribuintes.
A desonestidade virou uma praga nacional. As pessoas não se importam mais em comprar nas ruas mercadorias de procedência duvidosa, desde que os preços sejam atrativos. Furta-se energia, espalha-se o “gatonet” e ninguém parece estar nem aí para isso. Por outro lado, concessionárias e prestadores de serviço não tratam a clientela com o devido respeito. A compulsão por dinheiro se tornou doentia na classe política. A quantidade de “dinheiro vivo” que circula nos esquemas de corrução, em malas e mochilas, é inacreditável. Como tal volume de notas é sacado? O Meio Circulante do Banco Central nunca percebeu nada de estranho? E o sistema bancário não tem registros de saques ou depósitos tão volumosos de “dinheiro vivo”?
No caso do dólar, do euro, ou da libra esterlina as autoridades responsáveis pelo meio circulante sabem que é costume em certas áreas do planeta transações financeiras com essas moedas em “dinheiro vivo”. Na África, é muito comum que pessoas ricas poupem em euros, em forma de cédulas, sem qualquer remuneração. Mas no Brasil houve uma enorme bancarização desde o lançamento do real. São mais de 100 milhões de contas correntes e de poupança individuais e 400 milhões de cartões de débito e crédito. Paga-se cada vez mais com dinheiro de plástico. 90% das passagens de ônibus no Rio são quitados com cartão magnético.
Então esse fenômeno de milhões e milhões de reais circulando de um lado para o outro em dinheiro vivo como caixa 2 é algo que espanta qualquer um. Na Índia ninguém se surpreenderia com isso, pois o grau de bancarização lá é baixíssimo. O governo indiano chegou a tirar de circulação cédulas de rúpias de alto valor para forçar a bancarização. Mas, aqui o esquema de corrupção desenfreado mostrou que mesmo nessa questão do numerário ainda vivemos numa Belíndia, o país imaginário inventado pelo economista Edmar Bacha.
Nesse ambiente deteriorado em que o Brasil se viu mergulhado, o que fazer para se moralizar as finanças públicas, valorizando cada centavo de real do contribuinte? O exemplo terá de vir de cima. Talvez buscando inspiração nos ensinamentos de Confúcio, que acreditava na propagação das ideias e dos princípios a partir de bons exemplos com origem de dentro da própria casa. Se O Congresso Nacional, os tribunais superiores, a Procuradoria Geral da República, o Palácio do Planalto não começarem a dar esses bons exemplos, a raia miúda vai continuar achando que tudo pode, e que estamos mesmo é no faroeste. Quem dará o primeiro passo para acabar com a competição de instituição mais perdulária na Praça dos Três Poderes, em Brasília?
Açucarado
A demanda mundial por açúcar cresce ainda cerca de dois milhões de toneladas por ano. Países como o Brasil e os Estados Unidos têm consumo excessivo de açúcar por pessoa, o que contribui para a epidemia de obesidade aqui e lá. Mas há certas regiões do planeta em que o incremento no consumo do açúcar até se faz necessário para suprir as deficiências de alimentação das camadas mais pobres da população. A maioria dos países produtores consome todo o açúcar em seu próprio mercado interno. É o caso da Índia, por exemplo. O Brasil é o único que tem um excedente expressivo. Por isso responde pela metade das exportações mundiais do produto.
Praticamente todo o açúcar brasileiro vem da cana, que não pode ser estocada como matéria-prima. A cana precisa ser moída rapidamente depois de cortada, pois o teor de sacarose diminui em questão de horas. Daí que o plantio não pode ser feito a uma distância de mais de 50 quilômetros das usinas. O ideal é um raio de 25 quilômetros. O clima das zonas de produção não pode ser muito seco, e nem muito úmido.
Só o investimento em tecnologia garante hoje a sobrevivência do setor sucroalcooleiro no Brasil. O maior produtor brasileiro (Grupo Cosan, associada à Shell na Raízen) monitora toda a produção dentro de uma sala semelhante à de uma torre de controle de aeroporto. Se um trator para de cortar cana, isso é identificado de imediato. Drones sobrevoam os canaviais para verificar falhas de plantio a tempo de serem corrigidas. A produção de etanol de segunda geração também começa a dar resultado, com custo decrescente. A geração de energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana também vem ganhando expressão no país.
Mas o etanol permanece sendo pouco lucrativo para a maior parte dos produtores, mesmo com os investimentos feitos em tecnologia. Se as empresas tivessem condições de voltar atrás, provavelmente redirecionariam suas usinas para a produção de açúcar, deixando o etanol de lado, o que é triste em termos ambientais, econômicos e financeiros, pois dependeremos cada vez mais da importação de gasolina.

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