Surpreendente

Surpreendente

POR GEORGE VIDOR
A economia brasileira está no ritmo de os cães ladram e a caravana passa
Em semana de tiroteios de todas as espécies, não só políticos, mas também os com balas de verdade, deixando os brasileiros atônitos – especialmente os cariocas que mais sentem na pele esse terror-, a bolsa de valores se manteve no seu mais alto patamar. O câmbio permaneceu estável e a perspectiva é que as taxas de juros continuem em queda. O número de empregos formais aumentou (não no Rio, é claro). Tal como na China nas últimas décadas, há situações em que a economia se descola do jogo político, e o Brasil está se tornando mais um exemplo disso. O segredo está em blindar a política econômica das patifarias que ocorrem no jogo do poder.  Assim, quem apostou em um crescimento um pouquinho maior já este ano não estava com complexo de Polyana, que fazia o jogo do contente. A realidade sempre nos surpreende. 
Bola nas costas
Outra vez o Rio de Janeiro aparece na relação dos estados que mais fecham empregos formais. E é a capital fluminense, que tem o merecido título de Cidade Maravilhosa, a protagonista desse desemprego. O curioso é que, nessa situação, as autoridades não vêm se mexendo para tirar certas obras do papel. Por exemplo: a concessionária da Ponte Rio-Niterói está obrigada, contratualmente, a realizar alguns investimentos nos acessos da ponte. Em Niterói, a prefeitura correu atrás e a obra foi concluída lá rapidamente. No Rio, nem o licenciamento foi ainda concedido. Serão obras importantes para melhorar o trânsito na região do Caju, pois estão previstas alças de ligação direta com a Linha Vermelha e o Porto. A falta desses acessos é causa de grandes engarrafamentos.
Foi uma luta incluir tais investimentos no novo contrato de concessão. Conquistado o objetivo, largou-se tudo de mão. Se ao menos estivessem sobrando empregos, vá lá. Mas nessa situação precária que está a economia no Rio, não dá para entender a apatia das autoridades.
Ah, Berlim
Canteiros de obras estão ofuscando um pouco a avenida que tem um dos mais belos nomes que se pode dar para uma rua: Unter den Linden (Debaixo das Tílias, árvore mais comum em climas temperados). Por lá passará a extensão de uma linha de metrô, mas mesmo assim ainda é possível passear pela avenida, às vezes exatamente debaixo das tílias. O centro histórico de Berlim ficava na parte oriental, que, com a divisão da cidade, passou a pertencer à República Democrática Alemã, país que virou, a partir de 1949, um mero joguete nas mãos dos soviéticos. Com a reunificação da Alemanha em de 3 de outubro de 1990, depois da queda do famigerado Muro (cuja construção, em 1961, foi um dos episódios mais vergonhosos da Guerra Fria), o antigo centro histórico recuperou a vida. Ótimos restaurantes, lojas, novos museus e uma atividade cultural intensa.
Muitas galerias de arte ressurgiram na parte oriental próximas ao centro. Muitas delas estão voltadas para a chamada arte contemporânea, valorizadíssima no mercado internacional, embora não seja fácil entendê-la ou apreciá-la. Mas as galerias berlinenses são um atrativo em si.
Um bunker (construção capaz de suportar qualquer tipo de bombardeio) que resistiu à destruição da cidade no fim da II Guerra Mundial abriga agora uma coleção privada – a Boros Collection. Comparadas às obras expostas no Inhotim, o nosso museu aberto de arte contemporânea em Minas Gerais, o que se vê lá parece pura alucinação. Mas tem tudo a ver com a Berlim de hoje, que se reergueu das cinzas da II Guerra, se viu dividida e foi maltratada pelos próprios alemães. Nessa viagem meio alucinógena, vale visitar a coleção Hoffmann, cuja viúva vive na própria galeria, e só aceita visita aos sábados, com hora marcada.
Além dos já famosos, Berlim tem dois museus também imperdíveis, ainda pouco visitados por estrangeiros. O museu que conta a história da Alemanha (Museu Histórico), vizinho à Universidade Humboldt no centro da ex-Berlim Oriental, e o Fórum de Cultura, a alguns minutos de caminhada da Potsdamer Platz. O Fórum reúne coleções alemães, desde o século XV, na Gendalgalerie. Tem obras fantásticas. Uma das Vênus de Botticelli está lá exposta. Mas tem também Giotto, Dürer, Caravaggio, Rembrandt (inclusive dois famosos quadros ligeiramente alterados por um outro artista), Vermeer, Rubens, Velásquez e muitos outros. O idioma, que era uma barreira para os visitantes estrangeiros, não é mais um problema em Berlim. A comunicação em inglês se tornou corriqueira.
Berlim espelha a Alemanha moderna, forte e sólida economicamente, exercendo um papel de suave liderança na União Europeia. Não é por acaso que a conservadora Angela Merkel continua nadando de braçadas à frente do Bundesregierung, o governo federal. E instalada em uma cidade onde todas as ações de vanguarda são bem recebidas, e a única alemã que não esconde seu passado, de glórias e alegrias, mas também de tristezas e tragédias.

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