Mínimo e Máximo

Mínimo e Máximo

POR GEORGE VIDOR
Um dia o salário mínimo deixará de ser mínimo – infelizmente não a curto prazo – pela valorização do trabalho
As condições de trabalho nas minas de carvão e de sal da Europa, no século XVIII e grande parte do XIX, eram horrendas. Humilhantes. Muitas vezes os túneis para retirada dos minerais eram tão estreitos que somente crianças ou mulheres pequenas conseguiam passar por eles. Crianças chegavam a trabalhar nuas por causa do calor sufocante. E o que ganhavam, mal dava para o sustento. Ainda assim, os que tinham emprego davam mãos para os céus, por falta de alternativa. Não por acaso floresceram nessa época os movimentos socialistas e igualitários, combatendo a exploração do trabalho.
O Brasil do século XIX carregava a herança colonial, com o trabalho calcado em mão-de-obra escrava. As condições de trabalho eram duras e a escravidão já era moralmente repudiada. No entanto, mesmo entre os que apoiavam a abolição havia os que aceitavam um processo gradual de libertação dos escravos para evitar o desmonte da economia baseada no café, no algodão, na cana-de-açúcar, no tabaco e no charque. As terras eram desvalorizadas pela abundancia e o "capital" acumulado se concentrava na quantidade e na qualidade dos escravos que poderiam ser negociados como "mercadorias" (cada vez mais "valiosas", pela extinção, de fato, do tráfico negreiro a partir de 1850).
Por essa razão, os escravos teriam de ser fortes e saudáveis. Nos séculos XVI e XVII isso pouco importava. Mas no século XIX o escravo se tornou "valioso". Relativamente, eram mais bem alimentados que os trabalhadores das minas de carvão da Europa.
A máquina a vapor causou uma revolução no trabalho, inclusive no Brasil. Nos engenhos de açúcar, as moendas deixaram de ser movidas por mão-de-obra escrava ou por animais. As condições de trabalho foram melhorando, tornando-se menos degradantes. Os salários continuaram parcos, porém surgiram formas de amparo social, como as primeiras caixas de pecúlio, montepios e sistemas de previdência. Formaram-se sindicatos para defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores. Impasses nas negociações podiam levar os trabalhadores fabris a cruzarem os braços, como forma de pressão, enquanto aguardavam por uma solução.
A adoção do piso salarial foi um passo posterior. Ainda em vigor em grande parte do planeta, visa a dar proteção e alguma dignidade às categorias com baixa qualificação e instrução, ou voltadas para atividades para as quais há excedente de mão-de-obra. Foi uma forma também de tornar o trabalho menos degradante ou humilhante. No Brasil, em face dos gritantes contrastes sociais e da baixa qualificação da maioria dos trabalhadores, está em vigor (até 2019) uma política de valorização do salário mínimo. Foi adotada no governo Fernando Henrique e se institucionalizou no primeiro mandato de Lula. Marcelo Néri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, já demonstrou várias vezes os efeitos positivos de tal política.
No entanto, não se pode ter a ilusão que se trata de uma fórmula mágica, sustentável ao longo do tempo. O critério adotado foi a atualização do salário pela inflação que atinge os trabalhadores com renda mensal até oito salários mínimos e um acréscimo equivalente ao crescimento real da economia, com uma defasagem de doze meses.  Não há vinculação com a produtividade do trabalho, que é difícil de ser medida (usar a variação anual do Produto Interno Bruto é mais fácil). Então, em 2018, o mínimo foi ajustado em 1,8%, equivalente à inflação do ano passado, medida pelo INPC-15. Não houve aumento real, pois em 2016 a economia encolheu – levada a fórmula ao pé da letra, o mínimo poderia até sofrer um corte, o que não é admissível pela legislação.
Como não há salários máximos na economia (exceto para servidores públicos, regra que é descumprida habitualmente), o país precisa sim de políticas que valorizem o emprego, e contribuam para impulsionar, via mercado de trabalho, os ganhos dos trabalhadores para cima. Mas, mesmo que o maior peso do reajuste do salário mínimo esteja sobre os benefícios da previdência social (aposentados e pensionistas que estão fora do mercado de trabalho, ao menos em tese), nenhum governo ousará modificar a política de valorização em vigor. É a dura realidade brasileira: o mínimo é pouco para quem recebe, e pode não ser viável para os que ainda o pagam. 
É ou não é
Com a economia ainda em ritmo modesto, mas crescendo, teremos a prova dos nove se a inflação caiu mesmo de patamar ou se o resultado de 2017 foi só um sonho de noite de verão. Tratando-se de inflação no Brasil, que tem causas que extrapolam aquelas usuais da análise econômica, é sempre bom ficar com pé atrás. A economia brasileira é meio viciada, com riscos de recaídas. Depende de um bom período de abstinência para se livrar dela. Condições para que a inflação permaneça baixa, sem uma âncora artificial, existem. São poucos os fatores que realimentam a inflação de maneira automática. A pressão do salário mínio este ano será pequena. Fora a energia elétrica e tarifas de alguns tipos de transporte público, os demais preços parecem ajustados. A taxa de juros está pesando menos nos custos. Em ano de eleições há sim riscos de fuga de capitais, o que forçaria uma desvalorização do real, com efeitos sobre a inflação.  Nesse caso, não adianta sofrer por antecipação. De qualquer forma, a economia tem surpreendido em termos de inflação, e 2018 pode repetir a dose de 2017.

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