Roteiro pouco explorado no Rio

Roteiro pouco explorado no Rio

POR GEORGE VIDOR
Poucos meses antes dos Jogos Olimpícos escrevi para o caderno EU& Fim de Semana do jornal Valor Econômico este roteiro no Centro do Rio pouco explorado até pelos cariocas da gema. Como a operação Centro Presente aumentou a sensação de segurança para quem circula pelas áraes citadas, continuo achando o roteiro válido e reproduzo aqui, para quem se interessar (na publicação original, as fotos, de Leo Pi9nheiro, são lindíssimas):
O primeiro trecho do Elevado da Perimetral foi construído nos anos 1950. Juscelino Kubitschek governava o Brasil e a implantação da indústria automobilística era considerada uma importante alavanca para a economia brasileira – o que de fato ocorreu. Teríamos de crescer cinquenta anos em cinco, dizia o slogan do Plano de Metas de JK.  O Rio, mesmo se preparando para deixar de ser capital federal, precisava de uma via expressa (elevada, no caso) que fosse alternativa às ruas estreitas do centro. Nos anos 1970, o segundo trecho da Perimetral foi construído, estendendo-se pela zona portuária até a Avenida Brasil, então principal porta de entrada e saída da cidade.
Mas o Elevado, visto como necessário para dar fluidez ao trânsito, acabou deteriorando uma parte importante do lado histórico da cidade. Num dos seus extremos, já se encontrava o palácio fortaleza que abriga o Museu Histórico Nacional, talvez um dos últimos exemplares da transição da arquitetura da Idade Média (fortalezas, castelos) para a Idade Moderna (palácios). Sem a Perimetral, demolida em função das obras que vêm sacudindo o Rio, motivadas pela realização dos Jogos Olímpicos em 2016, o Museu agora chama a atenção novamente dos passantes. Muita gente deve pensar hoje: “Como se permitiu a construção desse enorme viaduto?” Eram outros tempos. O patrimônio histórico e cultural teria de dar passagem ao “progresso”.
Felizmente, como efeito indireto da demolição do Elevado e de outras obras de revitalização, os próprios cariocas estão se dando conta que a cidade tem esse patrimônio ainda valioso do ponto de vista histórico. Ao meio de centenas de edificações dos séculos XVII, XVII, XIX e início do XX - do século XVI quase nada resta, pois eram raras as construções em alvenaria – sobressaem-se algumas pouco conhecidas dos visitantes e até mesmo dos cariocas.
 A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que fica no morro de Santo Antônio, com entrada pelo Largo da Carioca, é uma delas. O Largo em si pouco lembra o antigo chafariz que abastecia os aguadeiros e as lavadeiras no século XVIII. Talvez por isso o conjunto arquitetônico no alto do morro passe despercebido pelos que não são devotos. A fachada da igreja da Penitência é simples, mas o interior tem o esplendor do barroco tardio brasileiro. A obra de mestre Aleijadinho está presente nos altares e nas imagens, revestidas com folhas de ouro (a igreja está entre as cinco com mais quantidade de ouro no Brasil). Como o nome indica – Ordem Terceira -, a igreja é mantida por leigos e nem sempre está aberta, embora seja citada em vários guias sobre o Rio. De terça a sexta, mesmo quando não há ofício, a visitação é permitida de 9 às 16 horas, e às vezes é preciso bater na porta para alguém abrir a igreja.
A igreja começou a ser construída em 1622 e a obra se estendeu até 1772. O forro é uma das suas atrações, com uma pintura em que os anjos parecem flutuar. Como é vizinha do Convento de Santo Antônio, vale também visitar a igreja contígua, mais sóbria, porém igualmente interessante.
Sob ameaça de ruir, uma outra igreja histórica, a de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, ficou muitos anos fechada ao público, enquanto era restaurada. Com entrada pela Rua Primeiro de Março (dia da fundação da cidade), junto à Praça XV, a Antiga Sé foi a capela real após a chegada da corte portuguesa, em 1808, em fuga de Lisboa, pela ameaça de invasão das tropas napoleônicas. 
A primeira catedral do Rio ficava no alto do Morro do Castelo, onde a ocupação da cidade de São Sebastião efetivamente teve início, deslocando-se do sítio onde Estácio de Sá a fundou em 1565, entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão. Ainda no século XVII, a área “nobre” do Rio foi deixando o Castelo para chegar ao “rés-do-chão”, depois da construção de algumas fortificações. Assim, o Rio foi crescendo em torno da atual Rua Primeiro de Março, que antes se chamava Rua Direita, denominação da via principal de muitas cidades portuguesas. A primitiva ocupação, sem fontes de água próximas, foi perdendo importância e desapareceu por completo com o desmonte do Morro do Castelo, no princípio do século XX. Dele resta apenas uma pequena ladeira, a da Misericórdia, hoje pitoresca, pois leva a lugar nenhum.
Quando a família real portuguesa chegou ao Rio, não havia uma igreja à “altura” da corte. Improvisou-se uma missa na igreja que era dos escravos (a do Rosário, na Rua da Vala, atual Uruguaiana). Logo a Nossa Senhora do Carmo seria promovida a capela real.  Lá D. João VI foi coroado rei de Portugal em 1816, depois da morte da mãe (D. Maria I, a Louca, que vivia no convento vizinho, hoje instalação de uma universidade particular). D. Pedro I e D. Pedro II também foram coroados imperadores do Brasil nessa mesma igreja, que agora abre diariamente para visitação, após anos de restauração. O órgão, que é uma relíquia, é tocado em algumas missas.
Saindo da Sé, basta atravessar a rua para se chegar ao Paço Imperial. Construído no século XVIII para abrigar a sede do Vice-Reino, quando a capital da colônia foi transferida de Salvador para o Rio. Depois da chegada da corte portuguesa, o pelourinho foi removido e os escravos deixaram de ser desembarcados ali, passando para a área do Valongo, perto de onde fica hoje o porto. Nas sacadas do Paço, D. Pedro anunciou que ficaria no Brasil, desobedecendo a ordem de retornar a Portugal. Dali  também a Princesa Isabel saudou o público após a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Com a República, o prédio foi descaracterizado. Virou agência central dos Correios. Porém, há alguns anos recuperou o seu antigo tom colonial. Abriga boas exposições de artes plásticas, dois restaurantes e uma livraria.
Quem visita o Paço deve incluir no roteiro a Igreja da Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na Rua do Ouvidor 35, passando pelo Arco do Telles, na Praça XV, e por ruas abertas apenas para pedestres. É uma região com boas opções de restaurantes. Um dos mais tradicionais é o Rio Minho, especializado em peixes e frutos do mar. O Barão do Rio Branco tinha uma mesa cativa, mais tarde assumida pelo filólogo Antônio Houaiss.
A pequena igreja dos Mercadores tem um carrilhão de 12 sinos que é o mais antigo do Rio. Sua torre foi atingida pelo único tiro de canhão disparado durante a Revolta da Armada, que contribuiu para a renúncia do marechal Deodoro à presidência da República. Línguas ferinas a sugerem como um bom lugar para missas de sétimo dia para pessoas com poucos amigos em vida. Ela tem poucos lugares...
A igreja é vizinha dos centros culturais do Banco do Brasil e dos Correios, além da Casa França Brasil, que foi a primeira alfândega da cidade. Em uma data próxima das Olimpíadas será inaugurado um grande passeio público no lugar do Elevado da Perimetral, que será substituído por túneis subterrâneos e vias expressas em fim de construção. Por esse passeio se verá o mar e a cadeia de montanhas no fundo da Baía de Guanabara, com destaque para o Dedo de Deus.
Um roteiro pelo lado histórico tem certamente como um dos pontos altos o Mosteiro de São Bento. É mesmo de tirar o fôlego. A igreja do mosteiro, sempre aberta à visitação, tem altares cobertos de folhas de ouro. Aos sábados e domingos há missas com canto gregoriano. O telhado tem aspecto mouro e depois das obras de revitalização da zona portuária já é visto de longe.
Finalizando em grande estilo, do Mosteiro até a nova Praça Mauá é um pulo. Do meio da praça pode-se admirar o novíssimo Museu da Amanhã – projeto do consagrado arquiteto espanhol Calatrava -, o Museu de Arte do Rio (MAR), o visual do porto e da Baía da Guanabara, e o edifício “A Noite”, o primeiro “arranha céu” brasileiro construído com “balanço”. Próximo da praça, no Largo da Prainha está o casario e a pequena igreja de São Francisco da Prainha, recentemente restaurada. Com as obras do “Porto Maravilha”, foram redescobertas ruínas do cais do Valongo (onde teriam sido desembarcados cerca de 500 mil escravos!)  e do cais da Imperatriz, construído especialmente para receber a princesa Teresa Cristina, futura esposa de D. Pedro II. Há um belo prédio que foi o primeiro armazém portuário do país, projetado, a pedido de Pedro II, pelos irmãos Rebouças, engenheiros negros e amigos da família imperial. Quem ainda tiver condições físicas pode subir o Morro da Conceição pela Pedra do Sal, berço do samba. Foi moradia de portuários e comerciantes portugueses. Agora abriga cada vez mais artistas plásticos e oficinas da indústria criativa.

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