Meu encontro com Fujimori

Meu encontro com Fujimori

POR GEORGE VIDOR
Anos atrás O Globo me encarregou de fazer entrevistas com presidentes de países que estavam em plena mudança da América Latina. Fui ao México, ao Chile e ao Peru. 
No caso do Peru, após uma prévia negociação no Brasil, o então presidente Alberto Fujimori concordou em me receber. Ele já tinha promovido o autogolpe, pelo qual fechou o congresso nacional e destituiu a principal corte de jurstiça. Um exemplo que gostaríamos de evitar no Brasil (falava-se disso na época, por aqui). Fui com a missão de não deixar Fujimori bem na entrevista. Era preciso estancar o "fujimorismo" que já dava sinais de vida em outros países da América do Sul - inclusive por aqui.
No governo Fujimori o Peru começava a se desvencilhar de uma séria e longa crise econômica, política e social. Dos seus 22 milhões de habitantes, cerca de oito milhões viviam na região metropolitana de Lima. Era chocante o número de pessoas vivendo e dormindo nas ruas da capital peruana. O nacrotráfico e o terrorismo atormentavam o país. A inflação tinha ido aos píncaros.
O governo Fujimori foi uma surpresa em todos os sentidos. Agrônomo, reitor de uma universidade do interior, Fujimori derrotara um candato franco favorito, o consagrado escritor Mário Vargas Llosa. Acabou adotando uma política econômica ainda mais ortodoxa que a defenida por Varga Llosa durante a campanha, que começava a dar resulatdos Mas batia de frente com o congresso e a justiça. Ameçados pelos narcotraficantes e os grupos terroistas, os juízes soltavam os que eram presos. Mais de 400 foram soltos. O número de mortos pelo tráfico e pelo terrorismo (no continente nunca tinha se visto uma brutalidade tamanha como a praticada pelo Sendero Lumimoso, que, curiosamente, arregimentava adeptos entre professores de escola primária, no interior do país) passara de 20 mil.
Nesse ambiente conturbado, Fujimori promoveu o autogolpe, com apoio dos comandos militares. Sob críticas generalizadas - a imprensa não foi censurada e era radicalmente contra o presidente; o único jornal que o apoiava era o da imprensa oficial - Fujimori convocou eleições parlamentares. O novo congresso nomeou uma nova suprema corte. Os juízes foram autorizados a trabalhar "encapuzados". Eram escolhidos pouco tempo antes para decidir sobre as prisioneiros ligados ao tráfico ou ao terrorismo. Seus nomes não eram divulgados. Nos bairros nobres, os moradores contaratavam segurança particular - fortemente armada - para se protegerem.
Fujimori me recebeu no palácio de governo (uma coinstrução histórica, belíssima) no fim da tarde. Estava sozinho. Se desculpou porque estava usando ainda as mesmas roupas de visita a uma univeridade pública em obras - estou sujo, disse; não me pareceu, pois trajava terno alinhado e os cabelos estavam perfeitamente penteados. Tivemos uma conversa franca. Os argumentos do presidente eram convicentes para a situação em que Peru mergulhara. Disse que fora obrigado a tomar uma dfecisão drástica em face da deterioração das instituições nacionais. "Não acredito nas instituições, mas sim nos homens", afirmou. Oba!, era o "lead" que eu precisava para minha entrevista. Mas fui leal com ele, pois transcrevi todos os seus argumentos ao redigir a entrevista. Ao lado escrevi uma matéria relatando a situação do país, e os avanços positivos na economia.
Em determinado momento da entrevista, apareceu o oficial que me recebera e se perfilou. Percebi que era hora de concluir a conversa. Muita coisa aconteceu depois disso. O partido de Fujimori foi bem votado nas eleições que ele convocara, e o governo venceu o terrorismo. A economia entrou mesmo em rota de recuperação, que prosssegue até hoje. Fujimori foi reeleito e começou a armar para conseguir um terceiro mandato, que se mostrou desastroso. Na escala social peruana, os "chinos" (como eram chamados os descendentes de imigrantes japonses) estavam abaixo dos "cholos", mestiços com sangue indígena.
Esse comentário é a propósito da possibilidade de a filha de Fujimori, atualmente preso do Peru, se eleja, em junho, presidente do Peru. Até hoje tenho dúvidas se o Peru teria saído da crise naquela época sem a ruptura promovida por Fujimori. Mas não tenho dúvidas que o descrédito que ele tinha em relação às instituições levou seu governo - e a ele mesmo - ao desastre.

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