Fim de um ciclo

Fim de um ciclo

POR GEORGE VIDOR
O ciclo iniciado pela eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência está nos seus estertores e a economia tende a se descolar da política
O que se chamou Nova República – cujo marco inicial foi o discurso de Tancredo Neves lido por José Sarney na data em que ambos deveriam tomar posso no Palácio do Planalto – está certamente nos seus estertores. Do cenário político, seja por força das urnas ou por cumprimento de penas determinadas pela justiça, sairão de cena quase todos os atores desse período. Sem financiamento abundante de campanhas e com o caixa 2 na alça de mira, alguns partidos vão minguar, abrindo espaço para gente mais séria entrar na política. É como na natureza: os mamíferos só tiveram chance quando os grandes preparadores foram desaparecendo da face da Terra. Por caracterizar o fim de um ciclo, 2018 é visto como uma incógnita no horizonte da política brasileira.
Mas é bem possível que a economia brasileira consiga mesmo se descolar da política. No mundo há exemplos disso. O ex-ministro Marcílio Marques Moreira lembra que a Colômbia passou as últimas décadas com metade de seu território em estado de guerra, e ainda assim a economia lá conseguiu crescer, com inflação baixa e contas externas razoavelmente equilibradas.
Mas o que impede então o Brasil de voltar a crescer se estamos com inflação em queda, taxas de juros também baixando e o câmbio ajudando as exportações? Faltam molas propulsoras. Algumas vão demorar ainda para se recuperarem, como a construção civil, e o setor de automóveis. A esperança é que há muito espaço a ser conquistado nos segmentos ligados à tecnologia. Todo dia surge uma novidade. Agora, no lugar do motoboy fazer a entrega, tem alguém que, acionado pela internet, vai buscar o lanche para o cliente no lugar escolhido. E há setores convencionais voltando a respirar, à medida que empresas grandes, como Petrobras, saem do atoleiro.
Essa fase de mudanças, de transformação, não se limita ao Brasil. O mundo está ficando diferente. Alguém imaginaria que os Estados Unidos iriam abrir mão do seu papel de liderança no Ocidente, conquistado desde a célebre reunião de Bretton Woods em 1944?
Questão de foco
Confecções mais consagradas no mercado do Rio, como a Enjoy, conseguiram respirar um pouco no primeiro semestre, embora o andamento da crise política tenha voltado a jogar água fria no mercado. Antes desse agravamento a Enjoy vinha registrando um crescimento de 20% nas vendas (ainda que sobre uma base fraca, que foi o ano de 2016). Mas a empresa também reviu sua estratégia. A Enjoy antes focava em consumidoras mais exigentes de classe média, acima de 45 anos, com um tipo de roupa que tanto poderia ser usada para trabalhar como para sair. Tentou conquistar um público mais jovem, mas a mudança de estratégia coincidiu com a crise econômica do país. A Enjoy voltou atrás, reduziu custos e focou novamente no antigo público, oferecendo preços abaixo da concorrência (R$ 280 em média, por peça). Na fábrica de São Cristóvão produz 60% de suas peças; os restantes 40% são encomendados em terceiros, mas a partir de modelagens próprias e com a entrega dos tecidos previamente encomendados pela confecção.
A Enjoy foi criada há 21 anos como uma confecção que fornecia para grandes redes de lojas (Mesbla, Casas Pernambucanas, Riachuelo, etc.). Quando a Mesbla quebrou teve de se socorrer diretamente no varejo e assim foi criando uma rede, que atualmente é de 45 lojas. Emprega, no total, 480 pessoas.  
O que Caminha realmente disse
José Augusto Sabóia, leitor sempre atento às minhas imprecisões, e que sempre ajuda a corrigir questões relacionadas à história do Brasil, chama a atenção para a frase que citei de Pero Vaz de Caminha que na versão popular ficou conhecida como "em se plantando tudo dá", a propósito da suposta fertilidade da terra descoberta pela esquadra de Pedro Álvares Cabral. Na verdade, o que o escrivão quis dizer ao rei D. Manuel é que talvez a terra descoberta não fosse uma ilha, e seria fecunda por causa dos rios. Traduzida para o português moderno, a frase citada é a seguinte: "as águas são muito, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem". Em português arcaico, a o trecho da carta seria quase incompreensível nos dias atuais: "... pero a terra em sy he de mujto boos aares frios e temperados como as de Antre Doiro e Minho porque neste tempo d`agora asy os achávamos como os de la - agoas sam mujtas jimfimdas. E em tal maneira graciosa que querendoa aproveitar darsea neela agoas que tem".
Um bom exemplo de como a língua é viva e vai se transformando com o passar do tempo.

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