Dragão enfraquecido

Dragão enfraquecido

POR GEORGE VIDOR
Se a inflação ficar mesmo abaixo de 5%, economia ganhará eficiência
O alvo da meta de inflação que será perseguida pelo Banco Central em 2017 é 4,5%. Não se trata de um número mágico. Pelas observações práticas acumuladas após décadas de inflação crônica e aguda, especialistas no tema acreditam que se o ritmo da alta de preços cai para menos de 5% ao ano a economia passa a enxergar melhor seus problemas e isso facilita a busca de soluções.
A inflação sempre mascara nossas deficiências econômicas. E se há um denominador comum em todos os processos de desenvolvimento é o aumento de eficiência, pois traz benefícios para todos, independentemente do cabo de guerra que existe entre os agentes econômicos na disputa para ver quem fica com os maiores pedaços do bolo.
 No Brasil sobrevivem muitos mecanismos de indexação que acabam transferindo para o presente o efeito da alta de preços já ocorrida. Tarifas de serviços públicos, salário-mínimo, aluguéis, benefícios da previdência são corrigidos assim anualmente, de modo que, na média, para a inflação cair outros preços precisam baixar.
Em um quadro de demanda enfraquecida, os agentes econômicos têm de se tornar mais eficientes para conseguir conviver com preços em trajetória de queda. Por outro lado, alguns fatores macroeconômicos podem ajudar, como, por exemplo, a redução nas taxas básicas de juros, barateando o custo do capital. Poucos empreendedores têm condições de tirar do próprio bolso todo o dinheiro que precisam para investir. Quase sempre dependem de alguma forma de financiamento. Se o custo do capital está elevado demais, ninguém se arrisca porque o retorno do investimento não compensará.
Para conter a inflação, o Banco Central pôs a taxa básica de juros nos píncaros. Está fazendo o caminho de volta, mas só lá para o fim do ano é que a taxa Selic deve se aproximar do patamar entre 9% e 10%. O Tesouro Nacional remunera pela taxa Selic cerca de um terço dos títulos que emite. Pode-se contar nos dedos os negócios que atualmente superam essa rentabilidade. Não dá para concorrer. E nem o próprio Tesouro tem um retorno que cubra tal remuneração. Na verdade, os rendimentos são quitados com a emissão de novos títulos, adquiridos pelos gestores de fundos de investimentos, tesourarias dos bancos, áreas financeiras das empresas que estão com dinheiro em caixa e até por indivíduos.
A política monetária calcada em juros demasiadamente elevados funciona como uma faca de dois gumes. Pode conter a inflação, mas trava investimentos capazes de aumentar a eficiência da economia. Dilemas da política econômica, que se assemelha a um cobertor curto, deixando sempre uma parte de fora. Agora com a inflação em uma trajetória que a aproxima do alvo central (4,5%), ficará mais fácil encontrar saídas para essa confusão.
Lembranças
Logo depois da Revolução dos Cravos, Portugal enveredou por um caminho de radicalização dentro do governo que variava do stalinismo à ultraesquerda. A ressaca do salazarismo só não virou desastre devido a vozes ponderadas, como a de Mário Soares, líder do Partido Socialista, que faleceu há poucos dias. Mesmo assim, o primeiro artigo da constituição portuguesa pós-revolução dizia mais ou menos assim: Portugal é uma nação que caminha para o socialismo. Portugal estava com a economia conturbada pela estatização, além de uma situação social agravada pelo fato de o país receber de uma hora para outra quase 800 mil "retornados" pelo fim da colonização na África.
Mário Soares foi primeiro ministro e presidente. Durante a Rio 92, conferência das Nações Unidas que seria um marco para a questão do meio ambiente, ele estava na presidência e representou o país no conclave. Na ocasião, convidou um grupo de pessoas para um café da manhã, ao lado da amiga Maria da Conceição Tavares, renomada economista portuguesa radicada no Brasil. Na conversa nos contou o encontro que tivera com Fidel Castro pouco antes de um almoço que reuniria as autoridades presentes na Rio 92. George Bush pai, então presidente dos Estados Unidos, também estava no mesmo salão. Tentou entabular conversa sobre uma distensão Cuba-EUA, pedindo que Fidel o ajudasse nesse esforço. Fidel propositadamente desconversou, pondo a mão sobre um pequeno "pin" que Mário Soares tinha fixado no paletó e perguntando sobre o que era.
 Ele já não era mais presidente quando tive o prazer de reencontrá-lo pela segunda vez,  em Lisboa. Mário Soares e a mulher foram anfitriões de um jantar no belíssimo Palácio da Ajuda, recebendo brasileiros que participavam de um seminário, entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-ministro Pedro Malan. Novamente uma conversa agradabilíssima. Portugal perdeu um grande homem e estadista.

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