Já era

Já era

POR GEORGE VIDOR
Acostumados a rendimentos altos, investidores estão se dispondo a correr mais riscos
Semana que vem a taxa Selic sofrerá nova redução, talvez de um ponto percentual, chegando a 7,25% ao ano. Como a inflação em 2017 deve ficar em torno de 3%, os juros reais na economia brasileira continuarão relativamente altos. Mas os investidores se acostumaram a rendimentos que somente são oferecidos em mercados com a corda no pescoço. Não são suportados em um mundo real e contribuem para a economia ser mais ineficiente, porque a carga de custos financeiros é redistribuída entre os demais agentes econômicos, sobrecarregando produtores e consumidores. Os investidores que têm mais bala na agulha estão correndo atrás de aplicações que lhes proporcionem, ao menos em parte, os rendimentos que recebiam. Por isso, há no momento grande migração de um fundo de investimento para outro. Mesmo com todo esse ambiente político negativo, cresce a fatia de investidores dispostos a correr mais riscos.
Quase 30 anos depois
Com a economia capitalista então se renovando, em um processo acelerado de globalização, o mundo socialista ia ficando para trás. Nem de longe lembrava o início dos anos 1960, quando o lançamento dos satélites artificiais sputniks e o voo semiorbital de Yuri Gagárin ("a Terra é azul", disse ele, em sua primeira mensagem ao centro de controle) davam a impressão que a Rússia estava na vanguarda da corrida espacial e da tecnologia em geral.
A Rússia que visitei na breve era Gorbachev tentava oxigenar o velho regime fechado e decadente. Glasnost (abertura) e perestroika (renovação) eram as diretrizes do então presidente da União Soviética e dirigente máximo do partido comunista, Mikhail Gorbachev. Dava pena ver as jovens moscovitas, lindas, vestidas de maneira ultrapassada e em trajes mais apropriados para pessoas de bem mais idade. O sonho de cada uma delas era uma calça jeans. Os sapatos, coitadinhas, eram horrorosos. Perfume? Nem pensar. O que existia funcionava muito bem para espantar baratas.
Nos poucos supermercados, prateleiras vazias: manteiga, bacon e sorvete de baunilha, era o que tinha. Comprar alguma lembrança no Gum, o centro comercial estatal na Praça vermelha, em frente às muralhas do Kremlin, era brincadeira de esconde-esconde. Nem um botão sequer. Uns broches com a foice e o martelo e a efígie de Lênin, talvez. Ninguém comprava um carro usado, porque, como não havia peças de reposição, somente o proprietário conseguia fazer a manutenção, tantos eram as improvisações e quebra-galhos. E ai de quem esquecesse o limpador de para-brisas na hora de estacional. Provavelmente não o encontraria mais ao voltar.
O ambiente, além de pura escassez, transpirava dogmatismo.  O Pravda, órgão oficial do partido comunista, e a televisão estatal começavam a divulgar críticas na linha Gorbachev. Mas tímidas demais.
A Rússia sempre viveu sob a mão pesada de seus líderes, desde os tempos de Ivan, o Terrível, o czar que mandava eliminar seus desafetos e até mesmo seus colaboradores – desconfiando de tudo e de todos desde que sua primeira mulher, com quem havia se casado aos 16 anos, morreu envenenada. Os czares foram monarcas absolutistas. Apenas no século XIX começaram a aceitar o parlamento (a Duma), mesmo assim com inúmeras restrições. Dissolviam a Duma por qualquer coisa. A servidão só foi extinta na Rússia no século XIX. A experiência de democracia durou apenas de fevereiro a outubro de 1917, quando os bolcheviques passaram por cima do governo provisório, e nunca mais compartilharam o poder, passando pelo terror de Josef Stálin, até o fim da União Soviética em 1990.
A Rússia vive hoje sob a era de Vladimir Putin, um presidente todo poderoso, que manda e desmanda no governo. Mas, economicamente, não tem mais semelhança com o passado bolchevique. Moscou virou uma capital cosmopolita, com centros de consumo que se parecem com qualquer outra grande cidade europeia. Talvez até mais luxuosa (e tão cara quanto Londres), o que é intrigante, pois é pouco provável que o nível médio de renda da população seja compatível com os preços e os produtos que se vê nas vitrines, antes inexistentes. Mas nas ruas do centro de Moscou as mulheres não andam mais tão mal -vestidas, como em 1988. Hoje, há gente elegante por todos os lados. A Rússia, como os próprios russos admitem, foi e sempre será um país enigmático.
A transição econômica na Rússia certamente foi muito dura. O câmbio, que era mantido artificialmente valorizado, sofreu uma brutal desvalorização. Um dólar vale cerca de 60 rublos, um euro aproximadamente 70 rublos. As notas que tinha guardado da minha visita em 1988 já não circulam, pois não compram absolutamente nada. A corrida de táxi custava de um a dois rublos naquela época. As pessoas se queixam que bons serviços de saúde e a educação de qualidade não são mais acessíveis a todos. No entanto, ninguém fica mais uma hora e meia na fila, enfrentando temperaturas abaixo de zero, para poder comprar alguma comida,
Além de petróleo e armamentos, o que a economia russa tem a oferecer ao mundo a preços competitivos? Isso deixo para contar na semana que vem.

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