Dever de casa

Dever de casa

POR GEORGE VIDOR
A economia brasileira "comeu" as "sementes" que deveria ter guardado para os próximos "plantios"
Se um país come tudo que colhe e não guarda sementes para o próximo plantio não terá depois o que comer. De maneira simples e sintética, é esse o quadro que a economia brasileira enfrenta. O Brasil passou um tempo "comendo" as "sementes" e agora precisa fazer uma dieta rigorosa para reforçar o próximo "plantio". O ajuste nas finanças públicas tem a ver com isso. Se o setor público não reduzir o seu rombo, a poupança (ou seja, "as sementes") que ainda está disponível é absorvida para cobrir gastos que não contribuirão para ampliar nossa capacidade de produzir mais e melhor. Por um tempo, é até possível sobreviver com poupança vinda de fora, mas isso tem limite e pode custar caro no futuro. No conjunto de uma economia, a poupança, conceitualmente, é a parte da renda que não é consumida.
Com a eleição de Donald Trump para presidência dos Estados Unidos, o comércio mundial tende a se fechar um pouco mais. Ao que parece, a onda de protecionismo comercial deve se sobrepor à de liberalização. Por outras circunstâncias, está havendo alguma recuperação nos preços de bens que o Brasil exporta, mas não se deve apostar em aumento significativo nos volumes de vendas. Ventos que vêm de fora não devem ajudar muito, portanto. Então, mais do que nunca, o país terá mesmo de fazer o seu dever de casa e reencontrar um caminho para voltar a crescer.
Muitos anos de vida
A aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral (35 anos para homens, 30 anos para as mulheres) foi uma regra que não levou em conta o rápido aumento na expectativa média de vida dos brasileiros, que atualmente passa de 74 anos, segundo o IBGE. No passado – década de 1950, quando as regras básicas do regime geral foram concebidas - cálculos indicavam que os segurados, na média, receberiam aposentadoria por 12 anos e seus pensionistas por mais oito. Com os brasileiros se tornando longevos, muitos segurados passaram a recebem benefícios por mais de 35 anos. É uma das razões de as contas da previdência social não fecharem. Com a idade mínima de 65 anos para aposentadoria (homens e mulheres), o equilíbrio será mais fácil.
Bizarrices
A duplicação do trecho Norte da BR-101 no Estado do Rio deve estar pronta no início do ano que vem, é o que promete a concessionária Autopista Fluminense, da Arteris. No entanto, 36 quilômetros permanecerão intocados por falta de licença ambiental, especialmente devido a oito quilômetros que cruzam duas reservas (em Silva Jardim e Casimiro de Abreu). Uma delas é habitat do mico leão dourado. A estrada passa por ali há 60 anos. Com a duplicação, espera-se que o número de acidentes se reduza significativamente, e que a estrada deixe de ser conhecida como "rodovia da morte". O tráfego possivelmente aumentará, daí a necessidade de cuidados com o meio ambiente.
O problema é que algumas autoridades piram, literalmente, no processo de licenciamento e fazem exigências que acabam desgastando e enfraquecendo todo o esforço para se convencer a sociedade em prol da sustentabilidade. A obra de duplicação do trecho deverá custar pouco mais de R$ 300 milhões. E as compensações ambientais R$ 500 milhões! Para travessia dos animais, foi exigida a construção de cinco passarelas, com cobertura vegetal assentada sobre três metros de terra em cima da laje de concreto. Trata-se de uma obra faraônica, jamais testada no Hemisfério Sul. Nem se sabe se os animais irão utilizá-las de fato para a travessia (existem outras formas bem mais simples, como redes suspensas e passagens subterrâneas, testadas e aprovadas em outras rodovias). Além das passarelas caríssimas, o licenciamento ambiental foi condicionado à construção de uma pista elevada sobre uma área de brejo, onde o nível da água jamais prejudicou a rodovia nesses 60 anos.
É para evitar tal tipo de devaneio que nas futuras concessões no setor de transportes o governo deseja promover licitações já com licenciamento ambiental para o projeto básico, como ocorre no setor elétrico. Mesmo assim outros problemas precisam ser equacionados. Nas concessões existentes há obras por fazer aguardando definições. Uma nova descida na Serra das Araras (Via Dutra) poderia começar a ser construída dentro de dois meses, mobilizando cinco mil trabalhadores. A concessionária se dispõe a investir um total de R$ 3 bilhões em um conjunto de obras na rodovia, tanto do Estado do Rio como em São Paulo. Porém, para recompor o equilíbrio econômico do contrato é preciso uma extensão da concessão, que já tem a concordância da agência reguladora (ANTT), porque é o mais sensato. Apenas 10% dos veículos que usam a Dutra pagam pedágio (e dos que pagam, 70% são caminhões).  A concessão atual só acaba dentro de cinco anos. Acredita-se que seriam necessários mais três anos para essas obras previstas serem iniciadas. Ou seja, na melhor das hipóteses lá para 2024.
No caso da nova subida da Serra de Petrópolis, com 50% das obras já feitas, a solução seria semelhante. Mas a obra parou porque ninguém se entende. A saída seria trancar todos os envolvidos em uma sala e só deixar que saiam de lá com uma solução. Do jeito que está, com tudo parado, é uma estupidez, para desespero dos usuários.

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