Meu encontro com Aylwin

Meu encontro com Aylwin

POR GEORGE VIDOR
Já relatei aqui minha tarefa de entrevistar o então presidente Alberto Fujimori, do Peru. Tive como tarefa também entrevistar o presidente Patrício Aylwin, do Chile, o primeiro presidente eleito depois da ditadura de Pinochet. A morte de Aylwin, aos 97 anos, foi anunciada hoje, o que me fez recordar aquele encontro.
Aylwin era do partido da democracia cistã. Assumiu por meio de uma coalizão de partidos, da qual participavam também os socialistas da atual presidente Michele Bachelet. A coalizão ficou conhecida como "Concertación".
De fato eles preciram consertar o país, restabelecendo o processo democrático e as instituições. Mas, ainda que no plano político o Chile tenha caído nas trevas, na economia algumas reformas do Pinochet acabaram sendo importantes para que o país viesse a reencontrar o caminho da prosperidade. A mais importante talvez tenha sido a da previdência, que instituiu o regime de capitalização - e não o de repartição, como existe aqui - para todos os chilenos, exceto os militares.
Aylwin me recebeu no Palácio La Moneda, que virou o símbolo do golpe militar, pois a sede do governo fora bombardeada em setembro de 1973 e lá o presidente deposto Salvador Allende decidiu se suicidar para não se humilhar diante dos militares que o estavam depondo.
Havia estado no Chile em agosto de 1973. Saí com a impressão que o país estava mergulhado no caos, e se dirigia para uma ruptura instititucional. A classe média estava revoltada com a escassez de produtos. Mães de jovens brasileiros exilados no Chile me encheram de coisas para levar. Quando sabiam que alguém ia para o Chile, umas falavam com as outras e batiam na sua porta pedindo o favor de levar alguma coisinha para os filhos. Minha mala pesava como chumbo. Tinha lata de leite condensado e até papel higiênico.
Na verdade, a ida ao Chile seria uma esticada de umas férias de Buenos Aires. Era ainda um jornalista iniciante, com orçamento bem apertado, Viajei de ônibus (48 horas do Rio até lá !!!). O plano era ir depois ao Chile de ônibus ou trem, mas era inverno e a travessia pela cordilheira dos Andres estava fechada pela neve. Acabei comprando uma passagem baratinha de avião. Fiquei hospedado na casa de um amigo de um amigo, que, por sua vez, alugara os fundos da residência de um casal de classe média de meia idade (ao menos foi a impressão que tive na época). O marido era taxista e eles tinham uma boa casa em um bairro próximo da Providência, um dos melhores na ocasião. Cheguei aos trancos e barrancos. Não havia táxi no aeroporto. Peguei um ônibus convencional e fui para o centro na esperança de lá conseguir o táxi. Fazia muito frio (para mim, um carioca mal agasalhado) e no centro a situação era ainda mais caótica pois os ônibus passavam apinhados pela Alameda O'Higgins e o ponto era"andante". Sabia que a casa ficava na Calle Colo Colo, paralela à avenida Ararazabal. Em um momento me joguei para dentro de um ônibus no meio da multidão A mala ficou entalada e o motorista teve de descer para me ajudar a subir. Uma comédia.
No ônibus ninguém sabia me informar onde deveria descer. Acabei chegando perto do Estádio Nacional (onde os militares prenderiam centenas de pessoas logo após o golpe), porque o nome da minha rua de destino estava associada a um dos maiores times de futebol do Chile na época. Não era lá. Liguei para a casa onde iria me hospedar e a dona me explicou como ir. Estava a cinco quadras do endereço. Por sorte a noite já avançava e os ônibus, na direção contrária, estavam mais vazios. Quando cheguei, presenteei a família chilena com papel higiênico. E senhora ficou realmente comovida e me respondeu: isso hoje aqui no Chile é ouro!. Para o meu anfitrião brasileiro, levei cotonetes. Ele me explicaria que foi a maneira que encontrou para a mãe dele no Rio não ficar dando trabalho aos que viajavam para o Chile. Cotonetes não pesam na mala!
A esquerda chilena, dividida em vgários grupos, completamente cega, achava que o Chile caminhava para o socialismo. Mas caminhava mesmo era para o caos. E veio então o golpe sanguinário, quando já estava de volta ao Brasil (antes que me acusem, não tive nada a ver com aquilo!).
Foi uma satisfação ter de entrevistar Aylwin vinte e um anos depois, como uma jornalista mais tarimbado. E uma emoção entrar no La Moineda reconstruído. A entrevista foi ótima. O presindete me explicou as dificuldades de reconstrução da democracia em momento tão delicado. Os governantes ainda tinham receio da reação dos militares e não ousavam revogar atos econômicos anteriores. E nem mesmo a reforma da previdência, que viam com maus olhos. Porém os próprios socialistas haviam adotado um programa de abertura econômica. As regras de tributação e de recepção de capitais estrangeiros eram mais liberais do que as propostas pelo partido assumidamente direita. Os comunistas defendiam isenção trbutária, vejam só. O ministro do Planejamento era um socialista histórico. Tinha se exilado na Alemanha Oriental e provavelmente saíra de lá traumatizado com o chamado socialiismo real. Se chamava Ominame. Os mais críticos à esquerda o apelidavam de "OhMyMoney", numa tentativa de carceterizá-lo como vendido ao capital. Fiz uma boa entrevista com ele.
A reforma da previdêcia tornou todos os chilenos poupadores natos. O país ganhou uma capacidade de investimetno invejável, menos dependente de poupanças externas.
Reeencontrei Aylwin anos dpois nos Estados Unidos, em uma conferência que participamos na Univerdade católica Notre Dame, no estado de Indiana, meio-oeste. americano. Simpático, como sempre, me reconheceu. Exerceu ummpapelimportante em momento tão difícil do país. Os chilenos teêm motivos para se orgular dele.
Por ironia do destino, estive em um mesmo local com Pinochet, no Rio. Foi em um restaurante no edifício RB1 (avenida Rio Branco 1). O genral ditador estava acompanhado da mulher e de um jovem segurança (presumo que um militar chileno, designado para  a função, pois Pinochet continuava gozando de pressorogativas logo depois da redemocratização), que sentou à mesa ao lado. Soube mais tarde que ele gostava de passar férias no Brasil e ia sempre nesse mesmo restaurante. Alguém tomou a iniciativa de ir cumprimentá-lo e o segurança rapidamente se pôs de pé. Me senti um Forrest Gump, mais uma vez.
Se tiveram curiosidade, a entrevista com Aylwin está no Acervo do Globo, que pode ser acessada pelos assinantes.

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