Não foi por milagre

Não foi por milagre

POR GEORGE VIDOR
A leve brisa de recuperação da economia está sendo acompanhado de um quadro benigno nos juros. Mas...
Deus ajuda a quem cedo madruga, mas é pouco provável que a modesta recuperação da economia brasileira tenha alguma inspiração divina. Na verdade, a leve brisa que está empurrando a economia já é reflexo do próprio ajuste que a recessão provocou sobre preços, salários, aluguéis, câmbio e outros fatores determinantes na produção, no consumo e no investimento. É provável que a inflação medida pelo índice oficial, o IPCA, calculado pelo IBGE, feche o ano abaixo do piso da meta (3%). Se não fosse sério, soaria cômico assistirmos ao Banco Central pedindo perdão ao Ministério da Fazenda por não ter posto em prática uma política capaz de gerar mais inflação. Mas é o que determina a regra do regime de metas. Estamos mais acostumados a esse tipo de perdão quando a meta estoura o topo da meta, mas não quando fica aquém do piso.
Nem nos sistemas socialistas mais planificados foi possível acabar com a inflação ou se estabelecer o nível de preços adequado para a economia. No capitalismo, por mais que haja intervenção do Estado sobre diferentes atividades econômicas e financeiras, os mercados é que serão determinantes para a fixação dos preços, caso contrário começam a surgir distorções e desequilíbrios agudos, como os que o Brasil testemunhou no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff.
O regime de metas de inflação, adotado pelo Brasil em meados de 1999, facilitou a vida das autoridades monetárias e contribuiu para diminuir as incertezas que afligem os agentes econômicos em relação ao imponderável com que se deparam todos os dias. Foi uma experiência bem-sucedida na Nova Zelândia que acabou sendo copiada por outros países. A zona do euro na União Europeia tem um modelo  rígido, assim como os Estados Unidos, com políticas monetárias mais voltadas para um alvo fixo (variando de 2% a 3% ao ano, a inflação admitida como um "azeite" natural que lubrifica o processo econômico).
O regime de metas é mais flexível, aceitando um intervalo de variação, para cima e para baixo, do alvo central. No Brasil esse intervalo foi até por demais flexível, de quatro pontos percentuais em torno de um  ponto central elevado (4,5%). Ou seja, a inflação estaria dentro de meta se batesse em 6,5% ou caísse para 2,5%.
O intervalo se estreitou para três pontos percentuais (metade para cima, metade para baixo), e até 2018 a inflação aceitável terá de oscilar entre 3% e 6%. Em 2019, o alvo central cairá um pouco, para 4,25%, e a tendência é que não seja mais admissível uma inflação acima de 5% ou inferior a 2%.
A economia brasileira sempre surpreende, para o bem ou para o mal, mas tudo leva a crer que podemos estar entrando em um quadro benigno de taxas de juros. As que existem hoje ainda fomentam movimentos especulativos, inibem investimentos e a produtividade, embutem dentro da economia custos insuportáveis que acabam sendo enfiados goela abaixo de produtores e consumidores. É uma tese polêmica, que o economista André Lara Resende, antes reverenciado (sempre foi o primeiro aluno por onde passou), e agora visto como um renegado pelos monetaristas ortodoxos, expôs com corajosa ousadia.
Esse quadro benigno envolve o pressuposto que o país dará um jeito nas finanças públicas. O que, por sua vez, será facilitado com uma reforma da previdência, mesmo nas bases sucintas que o governo está propondo ao Congresso. A janela para aprovação da reforma está se fechando. Se a Câmara aprovar a proposta ainda este ano, será um alívio. Se restar alguma dignidade a nossos deputados federais, poderemos entrar em 2018 com alguma chama de esperança.
Agonia nuclear
Os escândalos de corrupção e a crise financeira do setor público deixaram a área nuclear sem pai nem mãe. Para concluir Angra 3, são necessários financiamentos ou aportes de capital da União. Mas a obra foi paralisada, porém os custos financeiros decorrentes delas estão sendo cobrados pelo BNDES. Os valores são da ordem de R$ 30 milhões por mês. As receitas de Angra 1 e 2 é que hoje têm de bancar esses custos. Como a holding Eletrobras não anda em condições de socorrer sua subsidiária integral Eletronuclear, o aperto vai resvalando para fornecedores sendo que o principal é outra estatal, a Indústrias Nucleares do Brasil, que produz os elementos combustíveis das usinas de Angra. Uma salada geral, que levou a Aben (Associação Brasileira de Energia Nuclear) a enviar uma carta aberta às autoridades, após o encontro que capitaneou em Belo Horizonte.
Ninguém seriamente no setor elétrico dúvida sobre a necessidade da energia firme de Angra 3 (1.500 megawatts) para reforçar o abastecimento do Sudeste. Os reservatórios das hidrelétricas ficaram em situação crítica e o risco de racionamento voltou a aparecer no horizonte. Mas parece que sai mais barato ficar fazendo promessa para São Pedro e esperar que ele resolva o problema.  

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