Poderia ser pior

Poderia ser pior

POR GEORGE VIDOR
O país passa por uma crise gravíssima, mas poderia ser pior se tivesse problemas no câmbio  e na energia
Esta crise da economia brasileira já figura nas estatísticas como uma das mais longas e agudas que o país enfrentou nas últimas décadas. Só não foi ainda classificada como a pior porque tem vários fatores que a atenuam. Por exemplo: na década de 1970, o Brasil dependia enormemente de importações de petróleo e hoje, felizmente, possui uma matriz energética diversificada, com participação crescente de fontes renováveis. É claro que contamos sempre com a boa vontade de São Pedro para encher os reservatórios das hidrelétricas.
Nas crises dos anos 1990, a economia brasileira tinha como calcanhar de Aquiles o câmbio. As contas externas viviam na alça de mira e qualquer turbulência lá fora provocava um tsnunami aqui dentro. A poupança do exterior é bem-vinda, porém não mais para tapar rombos do balanço de pagamentos. O Banco Central administra reservas equivalentes a US$ 380 bilhões e não precisou utilizá-las durante toda a atual grave crise.
Uma outra diferença é a inflação. Quase todas as recessões das últimas décadas foram acompanhadas de elevadas taxas de inflação. As pessoas perdiam o emprego e ainda viam o seu poder aquisitivo desaparecer em velocidade absurda. Na atual crise, a inflação é cadente.
Os instrumentos de amparo social também têm funcionado razoavelmente. A parcela da população que se apoia nos benefícios do INSS é cada vez mais significativa. Devido ao aumento no número de empregos formais ocorrido antes da crise, os que foram demitidos puderam ser mais amparados pelo seguro desemprego, contaram com indenizações e alguma poupança compulsória acumulada no FGTS, ganhando, assim, fôlego para respirar.
O que angustia a todos é a demora na reação da economia. Muitas previsões apontaram para uma variação positiva, mesmo que mínima, do Produto Interno Bruto (PIB) neste quarto trimestre do ano. Não é de todo impossível, mas é pouco provável que isso aconteça, pois os números de outubro não foram bons. A recuperação vem sendo postergada então para 2017. Pelo menos as taxas de juros estão caindo. Se a teoria funciona, setores vão reagir, como a da construção civil.
Sobre Cuba
Já se passaram muitos anos dessa viagem a Cuba. Para o voo inaugural Rio-Havana, a Cubana de Aviación convidara um grupo de brasileiros, entre os quais alguns jornalistas indicados pelos jornais que circulavam na época. O governo cubano não costumava liberar facilmente vistos para jornalistas (ainda mais para quem, como eu, que já estivera lá e não havia falado muito bem do regime de Fidel). Então, o convite da companhia aérea foi uma oportunidade de romper essa barreira. Na manhã do primeiro dia em Havana, logo no café da manhã do Hotel Nacional (antigo Hilton, expropriado na revolução), um choque diante a realidade: aproxima-se uma jovem que fazia uma rápida votação entre os presentes para escolha do futuro logo da agência oficial de propaganda do país. De repente, em voz baixa, pergunta se vou comer a fatia de presunto que estava sobre o prato. Se não, pede que embrulhe a fatia no guardanapo de papel, discretamente, pois junto à porta do “comedor” (refeitório) alguém nos vigiava.
Todos os dias depois de cada banho, pegava o sabonete usado e entregava para a ascensorista, a pedido dela. Antes que a camareira fizesse o mesmo, rotineiramente, sem chance para ascensorista. A mesma ascensorista foi quem ligou para pessoas que tinham me recebido amavelmente na primeira visita ao país, depois de me alertar que os recados que deixara não seriam respondidos -  por uma razão óbvia, o medo. Quando saí do hotel, entreguei míseros US$ 5 (o câmbio com o real estava 1 para 1!) à ascensorista, que vibrava de alegria e me agradecia com vários beijinhos na face.
Anteriormente, perto do hotel, uma enfermeira me suplicara para comprar uma lata de óleo de cozinha.
 A situação pouca mudara desde a primeira visita a Cuba, quando a economia entrara em colapso após o desaparecimento da União Soviética. O turismo se tornara a tábua de salvação para Cuba obter dólares. Atrativos não faltavam; a ilha é linda, com o Atlântico azul turquesa de um lado e de outro o mar caribenho de coral, transparente. Havana é cheia de História, com um povo amigável. E o visitante ainda tinha a oportunidade conhecer o que restara de um socialismo esclerosado, quase uma pesquisa arqueológica.
Para alguém que sonhou com o socialismo na adolescência e venerara a revolução cubana, e mesmo vindo de uma nação como tantos problemas, como o Brasil, não foi fácil se deparar com a realidade da ilha. Antes de Fidel, Cuba não era uma ilha tão miserável como se pensava. O analfabetismo despareceu um ano após a queda do governo ultra venal do ex-sargento Fulgêncio Batista, certamente não por milagre de Fidel. Os médicos já faziam parte da elite cubana quando a revolução triunfou e o novo regime manteve a tradição. A produção de açúcar nunca mais se igualaria à de 1952! A revolução respondeu a um quadro político de trágica degradação ética e moral. Batista construíra a principal rodovia do país (pan-americana), o aeroporto, a assembleia nacional, a sede do governo e o célebre Malecón (via costeira) em Havana, à custa de muita propina.  De gozação, no bar do hotel ou nos restaurantes, a gente brincava que até os eletrodomésticos lá eram de 1958. E não é que era mesmo verdade? A ilha parara no tempo. Os defensores do regime diziam: culpa do embargo econômico americano, pretexto imbecil que os Estados Unidos deram a eles.

Fidel em 1958 era apenas um mito: combatia na isolada Sierra Maestra e representava a negação do apodrecido governo de Batista. Militarmente quase fora derrotado na única grande incursão que as forças de Batista fizeram contra ele. Seu movimento teve um total de 60 baixas, sendo que metade dois anos antes, no desembarque na ilha, quando o iate Granma foi afundado.
Depois da entrada triunfante em Havana, em janeiro de 1959, o governo de Fidel devastaria rapidamente a economia cubana seria devastada. Iria sobreviver à custa de mesada soviética, do inegável carisma de seu líder e de um regime policialesco que tomava conta até das fatias de presunto no café da manhã dos hóspedes.

Comentários